quarta-feira, 14 de março de 2012

O plano conceitual de notório (não) saber.

Imagem do projeto de Jaime Lerner.

Na noite de 8 de março assisti, na condição de delegado da RP1 (Região de Planejamento 1 do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental),
a uma apresentação do "Plano Conceitual", desenvolvido pelo escritório do arquiteto Jaime Lerner, a ser aplicado à orla do rio Guaíba, no trecho compreendido entre a Usina do Gasômetro e o arroio Cavalhada, equivalente a 6 quilômetros de extensão.

O escritório de Jaime Lerner foi contratado para a tarefa, pelo executivo municipal, por obra e graça do prefeito Fortunati, sem licitação, por alegado "notório saber". O mesmo escritório foi responsável pela montagem da licitação para o projeto do "Cais Mauá", e também único participante e vencedor daquela licitação.

Na apresentação do "Plano Conceitual", foi usada a mesma forma de apresentação anteriormente utilizada no caso do "Cais Mauá": imagens desenvolvidas em computador, que não guardam fidelidade a metragem, perspectiva e realidade das existências atuais nos locais. Além das imagens apresentadas, não há mais nada. Nenhuma linha escrita. O plano foi apresentado como estando ainda em aberto, sujeito a alterações.

O grande objetivo do "Plano Conceitual", conforme determinação do prefeito, é propiciar ao cidadão porto-alegrense o desfrute da orla do rio Guaíba, garantindo fácil acesso, e circulação de forma contínua e ininterrupta, da Rodoviária até o arroio Cavalhada.

Na apresentação verificou-se que, em todo o trecho referido, há uma única proposta de acesso à orla ao pedestre, sem ter de atravessar avenidas de tráfego intenso e próximo do limite de velocidade urbana, exatamente na altura da Usina do Gasômetro, fazendo a ligação da praça Júlio Mesquita com a cobertura vegetal do futuro shopping center do "Cais Mauá".

Brilhante! 6 quilômetros de extensão de orla, tem um único acesso direto, numa das pontas, e o objetivo primordial do plano é garantir o desfrute da orla.

Desfrutar como, sem acesso?
A questão do acesso é pior no sub-trecho compreendido entre a Av. Ipiranga e a Av. José de Alencar , e que na orla equivale a área do Parque Marinha do Brasil. O usuário da orla, para lá chegar oriundo do bairro Menino Deus, tem que atravessar até quatro vias. Três delas em operação, de intenso tráfego e velocidade próxima do limite urbano, que são a Av. Praia de Belas, a Av. Borges de Medeiros e a Av. Beira-Rio. A quarta via, que breve terá tráfego, é a nova pista que inicia na Av. Beira-Rio, sentido bairro-centro, e dirige-se para o novo Fórum na Av. Ipiranga. Para o usuário deste sub-trecho nem uma única possibilidade de facilitar o acesso direto à orla. "No futuro serão estudadas possibilidades..." encerrou o apresentador.

Outra questão importante é estabelecer as diretrizes para regrar a coexistência de condomínios privados com as áreas públicas abertas. Evidentemente entendo como condomínio privado, áreas fechadas e com acesso restrito, em horário restrito. Ao longo da orla, no "plano" em questão, existirão condomínios privados nas duas torres e no shopping center do "Cais Maúa", na área de lazer dos sócios do Sport Clube Internacional, e no projeto de edifícios comerciais do Pontal do Estaleiro Só. Um sexto condomínio privado ainda poderá ser acrescentado no trecho, uma marina. É evidente que a gestão destes condomínios não poderá permitir livre acesso a suas áreas devido a existência de bens de propriedade privada das iniciativas comerciais nas torres e no shopping, a reserva de acesso a sócios pagantes do Internacional, bem como barcos da marina, etc.

Questionado a respeito, o apresentador olhou para outro membro da trupe do executivo, que sentenciou: "O livre acesso continuado a todo trecho da orla está garantido!". Como? Nenhuma resposta. Nenhuma diretriz. Nenhuma linha escrita. Nenhum fio de bigode. Apenas a afirmação.

Pela apresentação, realizada por arquiteto lotado no gabinete do prefeito, e não por membro da empresa autora do plano, chega-se inevitavelmente a desconstituição do alegado "notório saber", utilizado para justificar não apenas a contratação, mas também seu preço: 2,15 milhões de reais, considerado, por alguns executivos da área, valor superior ao que se pratica no mercado.

Para concluir, antes que digam que sou do contra, afirmo que não conheço ninguém que seja contrário a iniciativa de qualificar o acesso e o uso da orla do rio Guaíba. Ressalvo que a orla não necessita de revitalização, posto que ali a vida viceja e pulula. O porto-alegrense e os usuários da orla, onde pratico minhas caminhadas e tomo meus banhos de sol, quer, e muito, a melhoria do acesso e das condições de uso daquela que considera a principal jóia, não da coroa, mas sim do povo da "mui leal e valerosa".

Portanto, nada contra a melhoria de acesso e uso da orla do rio Guaíba. Apenas restrições a "notório saber" que se revela pífio.

* Pedro Aurélio Zabaleta - cidadão, delegado da RP1 (Região de Planejamento 1 do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental).